Nem só de pão vive o homem

Nem só de pão vive o homem
mas também de observar

domingo, 30 de janeiro de 2011

Consumismo...uma reflexão importante


Descobri este texto que vale bem a pena ler e reflectir, pois embora refira situações passadas no Brasil, as atitudes por cá são idênticas.

DO MUNDO VIRTUAL AO ESPIRITUAL
(Frei Betto)


Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão.

Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade? ‘

Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: 'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei: Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã... '. 'Que tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de inglês, de balet, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: Que pena - a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação!'

Estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados.
Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?'. 'Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?

Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais...

A palavra hoje é 'entretenimento'; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Muitos ficam horas diante da televisão assistindo crimes, enchentes, desabamentos... Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir este ténis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!' O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede, desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba¬ precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.

O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizade, auto-estima, ausência de stress.

Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center.

É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitectónicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Celulares tocando e gente conversando e discutindo alto assuntos supérfluos. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, assessorados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus; se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório; mas se não pode comprar certamente vai se sentir no inferno...

Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do McDonald...

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático'. Diante de seus olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz!".


3 comentários:

  1. Realmente, o consumismo estendeu-se a todo o lado. Lá como cá!
    Adorei a "lógica religiosa", que relaciona as catedrais com os shopings.
    E até o Sócrates,liga muito bem com a nossa actualidade...
    Mas deve ser muito dificil voltar atrás...
    Os mais velhos (alguns!) vão entendendo a inutilidade de certas coisas, mas há sempre muitos novos (também alguns!!!)

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  2. Eu, Frade Antunes, penso exactamente como o Frei Betto! E nem vale a pena acrescentar mais, senão que nem "passeio socrático" costumo fazer...

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  3. Que azedume! Na vida dos seres humanos pode sempre aparecer um Sócrates, mas se assim for, teremos de deitar fora o que não presta e guardarmos os pensamentos e ensinamentos do que é bom. Embora eu dê alguma razão ao frade Betto terei que discordar na totalidade, com a freira Antunes, pois do três requisitos ela apenas possui a auto-estima, perdão já me esquecia da amizade e pensando bem a ausência do stress deve ao "santo" Raul, daí estarmos em desvantagem.
    Quanto ao entrarmos no Reino dos Céus, sempre ouvi dizer, ser necessário passar primeiro pelo pergatório, portanto ainda temos chances de nos safarmos do Inferno. Vá lá amigas, com uma ajudinha do Sócrates Grego, do frei Betto, da freira Stella, de Deus e dos valores que nos foram incutidos ainda poderemos relembrá-los aos nossos jovens e talvez eles voltem a viver num Mundo melhor ou igual ao que nó vivemos. ESPERANÇA é a palavra da semana.

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